Os contos de fadas são histórias fictícias que envolvem fatores muito amplos, mas que a primeira vista são tão simplórios quanto alguns dos personagens mais bobalhões de suas histórias; a origem desse tipo de conto é bem remota, porém todas as civilizações e comunidades étnicas que se tem conhecimento, sem exceções, tem historietas desse calibre na composição de sua cultura. Os contos de fadas não devem ser confundidos com a mitologia, por vezes que se unam em alguns pontos, há uma diferença fundamental que esta no fato dos contos de fadas sofrerem mudanças frequentes se adequando ao repertorio popular do povo ao longo do tempo, já o mito não tem tal elasticidade.
Essas histórias de fadas, apesar do nome, nem sempre trazem fadas em seu enredo, porém é sempre frequente elementos mágicos e sobrenaturais, sendo que não temos ideia de como os contos de fadas foram em sua origem que remonta para antes de 3000 a.C., hoje em dia podemos ter ideia de alguns registros antiquíssimos que remontam até o século XI da nossa era; entretanto, através dessas mudanças, os contos de fadas mantiveram sua natureza intacta, pois não foram feitos apenas como modo de conduta moral ou expressão cultural de um povo, mas contém qualidades de conduta religiosa das antigas religiões, principalmente e talvez exclusivamente quando falamos dos contos da Europa.
J.R.R. Tolkien escreveu além de seu legendarium magnifico, um ensaio chamado Sobre Contos de Fadas (1947), em que ele discuti vários aspectos inerentes aos contos de fadas, sua composição e origem, um ensaio que vale ouro tomando por base o amplo conhecimento de literatura europeia medieval e arcaica que o autor tinha. Algo que gostaria de trazer nesse texto é sobre a natureza dos contos de fadas, que como propõe Tolkien, não dizem respeito a fadas ou elfos propriamente ditos, mas sim dizem respeito quanto ao Reino Mágico (no inglês Faërie, nórdico antigo Álfheimr), reino esse onde existem bruxas, trolls, ogros e toda a variedade de criaturas e objetos mágicos e fantásticos.

Pois de que outra forma a mãe de João poderia cuspir seus feijõezinhos mágicos pela janela para no dia seguinte haver brotado um enorme pé de feijão que chega até uma casa de gigantes nos céus, ou então como poderia Baba Yaga viver em uma casinha velha que ficava sobre pernas de galinha, ou ainda como Jamie Freel cavalgaria pelos ares de Dublim montado em um corcel encantado acompanhado de um redemoinho de fadas. De fato são coisas possíveis apenas em um mundo que não seja o mesmo que o nosso, e isso chega a um caráter transcendental em alguns pontos, tomando de base todo o simbolismo envolvido nas tradições orais, passadas de uma geração para a outra.
Mas como essas histórias simples e estranhas podem ser tão atraentes para nós, além de seu caráter familiar e convidativo que envolve sempre questões de amor, ambientes familiares e atividades corriqueiras; contos africanos se passam em ambientes simpáticos para os africanos, contos europeus, asiáticos, aborígenes, ameríndios, todos se passam em ambientes familiares de seu povo; e quando algum personagem faz alguma atividade é algo possível e conhecido desse determinado ambiente, por conta disso os contos mantém um inerente e forte caráter de ligação com a tradição, como se não bastassem o que representam por si só.
Pois agora resta falar dos tipos de contos, os quais podem ser separados em três categorias básicas e seus compiladores, e sim, compiladores ao invés de escritores, pois os contos tradicionais os quais eu apelo aqui são histórias que fazem parte do imaginário popular e vieram a ser coletadas por alguns eruditos dos vários países da Europa e do mundo em seus respectivos tempos, sendo que alguns mitos indígenas por exemplo são atribuídos como mitos estadunidenses, e algumas fábulas da Eurásia são atribuídas à Rússia e vice-versa; porém isso nada mais é que confusão ou desacordo geográfico, os mitos na verdade muitas vezes tendem a mudar trechos de sua narrativa, porém um mesmo mito pode surgir em dois lugares diferentes apesar da estrutura distinta.
Um dos primeiros a registrar histórias populares foi o francês Charles Perrault, que após publicar sua obra de compilados inaugurou o gênero literário de Contos de Fadas e abriu espaço para outros compiladores como os Irmãos Grimm, que ficaram sendo conhecidos no mundo todo após alguns anos de suas mortes e se tornaram referência nesse meio literário; a conexão dos Grimm com essas fábulas e a proximidade delas com o arcabouço cultural de um povo é tamanha que um dos irmãos, Jacob Grimm, acabou escrevendo alguns textos sobre mitologia teutônica ao longo da vida que culminou em seu livro menos conhecido Deutsche Mythologie, onde ele atenta para questões mais tradicionais e profundas dos antigos povos germânicos.
E após esses e outros compiladores de material tradicional popular, surgiram escritores tentando criar seus próprios contos de fadas, muito similares ao gênero literário das fábulas, porém, foi a partir do sucesso de autores como Hans Christian Andersen que as fábulas se tornaram sinônimo dos contos de fadas; bem ao modo de Esopo, escritor da Grécia Antiga, Andersen formulou historietas muito agradáveis e com caráter moral bem ao modo dos contos de fadas mais antigos, porém não é possível considerá-los em uma análise tradicional pois simplesmente são tão antigos quanto a idade em que o autor os concebeu, entretanto não deixam de ser bons divertimentos literários. Pois então, quanto aos tipos de contos podemos os segregar da seguinte maneira:

Encantamentos
São os contos que tratam de feitiços e magias clássicas, de modo que os personagens estão presos em algum encanto, ou apenas um dos personagens é preso em algum encanto que tende a ser libertado, seja pelo amor, amizade ou simples companheirismo; e claro, as chances de acabar com um casamento são sempre altas, pois depois do movimento romântico das artes, qualquer evento ou desventura é cenário ideal para o desabrochar do amor após algum evento muito importante, feliz ou trágico. Exemplos de contos dessa categoria são A Bela Adormecida, A Raposa Manca e A Bela & A Fera.
Trapos & Plumas
São contos que envolvem literalmente objetos, mágicos ou não, onde pode haver alguma cobiça geralmente por parte de bruxas, pela beleza de alguma moça ou que envolva algum artefato muito característico como pentes, colares, teares, e que acaba atraindo a atenção do conto, de modo que a inveja e cobiça acabe culminando em morte, risco ou tentativa de assassinato; em contos de fada é muito conveniente para os reis ameaçarem de morte qualquer pessoa por coisas das mais banais possíveis, mesmo que seja alguém importante para ele, como a esposa ou próprio filho. Exemplos de contos dessa categoria são A Moça Das Pérolas, João Preguiça e Rumpelstiltskin.
Heróis & Heroínas
São contos onde algum dos personagens tem uma característica típica das epopeias tradicionais, como o clássico dinamarquês Beowulf e o clássico britânico do Ciclo Arturiano. Os personagens tendem a realizar grandes façanhas e derrotar criaturas monstruosas como dragões, gigantes e trolls com a pura força e poder, para geralmente no final receberem tesouros ou a mão de uma bela princesa com parte ou herança total de um reino; esse é sem dúvidas o mais apreciado tipo de conto de fadas dos meninos e também de algumas meninas que ainda mantém valores tradicionais, pois são contos que refletem a masculinidade e feminilidade em seu auge. Exemplos de contos dessa categoria são O Príncipe Dragão, Torneio De Comilança e Jack, O Matador De Gigantes.
Desse modo pode-se concluir que os contos de fadas tem um valor único para os meios tradicionais, sendo tão antigos quanto a própria literatura e por expressarem além da essência do paganismo um arcabouço moral, de conceitos educacionais e de conduta formidáveis, o que garante que sejam usados para além do entretenimento e como falácias morais para pais pseudo-moralistas; sendo que a desconstrução desses artefatos literários começa com a sua banalização, e segue firme com a distorção muito presente em filmes hollywoodianos, principalmente os mais recentes onde trazem o feminismo e multiculturalismo à tona. Portanto, deve-se preservar esses contos de fadas como parte matriz das tradições, por quê de fato o são.
Hail Heiðinn Evrópa!
