Filosofia Ocidental: Racionalismo

Definindo As Categorias

Para inciar uma longa caminhada, deve-se estar bem preparado, e não viria a ser diferente com a filosofia; iremos iniciar aqui uma trajetória passando pelo Racionalismo, Empirismo e Misticismo, para afinar as discussões em tópicos mais complexos futuramente. Algumas noções só podem ser compreendidas com outras, noções complexas exigem noções simples para serem apreendidas; mesmo assim, o que é simples não é menos complexo, as peças que formam um carro separadas tem o mesmo valor que juntas, tudo depende de como elas são arranjadas para dar sentido as coisas. Portanto, vale fazermos uma categorização inicial naquilo que se compreende como Exoterismo & Esoterismo.

Ambos os termos dizem respeito a formas de hermenêutica que circundam as doutrinas, tradições e religiões. Apesar do termo ser  lido como genérico, o exoterismo e o esoterismo são ramos da filosofia, onde se compreende que a linguagem e forma de expressão das doutrinas tradições e religiões tem significados externos e simples (exoterismo) e significados secretos e complexos (esoterismo); tais termos não são mera criação do imaginário humano, mas uma forma de manter aquilo que é difícil de ser compreendido pela maioria como intocado. Infelizmente em tempos recentes houve uma banalização desses conceitos, a leitura que tenderia a ser apenas metafísica, se encontra entrelaçada com ocultismo, ufologia e espiritualismo; disciplinas frutos da modernidade e sem nenhuma ligação com a Tradição Primordial.

Portanto, há uma tríade dentro da história do pensamento, a qual corresponde a uma ordem de componentes primordiais para a própria existência humana, isto nos ramos físico, metafísico e a interação entre ambos. Naquilo que compõem a história do pensamento do Ocidente temos reminiscências dessa conjectura primordial, a qual se mantém mais preservada no Oriente, entretanto, não é interessante buscar essas ligações agora, resta apenas segregar cada categoria onde lhe é devida, pois vemos então a tríade de uma maneira holística: Alma, Espírito e Corpo (Misticismo, Racionalismo e Empirismo); desse modo, falaremos aqui do espírito, o qual corresponde o Racionalismo.

Concepções Racionalistas

O Racionalismo é uma escola de pensamento fundamentada em grande parte pelo matemático e filósofo francês René Descartes, mutuamente viriam a surgir outros expoentes dessa escola como o judeu Baruch Espinosa e o alemão Gottfried Leibniz. Cada um desses personagens ressuscitou o Geist (Alemão para Espírito, sendo aqui uma forma mais pura da palavra, sem interferências de significado cristão como na forma Latina da palavra) de seu ethos, ou seja, Descartes bebeu de fontes platônicas, Espinosa de fontes judaicas e Leibniz do idealismo comum aos germânicos. Assim sendo, o Racionalismo veio à tona na tentativa de demonstrar a origem do conhecimento como advinda do inatismo.

Para fins de compreensão, tratarei aqui sobre essa escola sob uma ótica mais cartesiana, que mantém viva toda a ideia da filosofia proposta ainda pelos antigos gregos. Pois é sabido que a ideia da apreensão do conhecimento é derivativa de dois estágios, um inato e o outro nato, ou seja, um ainda não nascido e outro nascido, um se da pela descoberta do conhecimento em si mesmo e o outro pela apreensão simples e pura do ambiente, afinal, o que explicaria a diferença dos indivíduos de terem habilidades tão diversas em uma mesma atividade? Como e por quê Mozart foi um pianista gênio com apenas 7 anos de idade, enquanto algumas pessoas levam 7 anos para aprender a tocar uma de suas Sonatas com louvor.

Essa então é uma das resoluções dos racionalistas: de que o conhecimento, em parte ou totalmente, transita para nós à priori do nosso nascimento, como algo advindo de onde quer que nós viemos e se viemos. Um conceito bem contrastante e incerto, por conta disso, Descartes impõem uma dúvida sobre a natureza fundamental das coisas, dúvida essa chamada de Doute Cartésien, ou Dúvida Metódica. Em suas Meditações, Descartes coloca que o pressuposto máximo desse método é duvidar dos sentidos, duvidar da materialidade por trás de cada coisa; ele chega ao final à concepção de que através da faculdade do pensamento pode-se chegar a realidade dos objetos.

A ideia parece simples, mas tem implicações mais drásticas do que essa explicação simplista vastamente dada pelos filósofos da modernidade, talvez por uma inabilidade da leitura realmente, ou apenas má fé; assim, podemos ver o que de fato há nas entrelinhas dessa categorização da razão através da faculdade de pensar. Como dito inicialmente, Descartes foi matemático, portanto versado na habilidade de mensurar símbolos de modo abstrato, e como se é sabido, a matemática tem origem iniciática (portanto, esotérica), sendo usada vastamente por Pitágoras, um dos primeiros filósofos que afloraram na Grécia Antiga.

Portanto, as concepções de símbolos se apresentavam claramente para Descartes, a matemática como a conhecemos não seria o bastante para provar a veracidade das coisas existentes, pois ele propõem que um Daimon (análogo aos Gênios da mitologia Árabe pré-cristã) possa manipular toda a realidade, portanto, até mesmo os símbolos matemáticos. Isso infere que não há segurança no mundo material, estamos sendo reféns a todo instante de algum ser de ordem superior que nos faz acreditar nos sentidos, logo, a única forma de captar a verdade através dos objetos é com o pensamento, acessando assim a metafísica diretamente.

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Dualismo Cátaro

Antecedentes Do Racionalismo

Descartes tinha como denominação o cristianismo, porém, é visível que possivelmente tenha sido influenciado direta ou indiretamente por correntes Gnósticas, como o Catarismo. Fato é que seu pensamento guarda pormenores substanciais, como uma forte conexão dos indivíduos no mundo material com o que ele denomina Deus, mas que também pode ser compreendido como a metafísica ou logos primordial. Descartes é filho de seu tempo, e como tal ele demonstra uma boa conexão com tudo o que o cerca, porém, suas noções de metafísica deixam claro a conexão do racionalismo com a noção de espírito (aquilo que liga o mundo físico ao metafísico).

Todavia, a ideia do pensamento como meio único de acesso a verdade é derivado de algo mais antigo que a própria filosofia, o Ascetismo: uma denominação para um caminho, ou modo de vida onde o objetivo último é o completo destacamento da realidade material como conhecemos para poder se integrar com a natureza primordial, metafísica das coisas. Algo como sair da caverna, usando o conhecimento e práticas iniciáticas para poder se destacar cada vez mais das comodidades do dia-a-dia e as miscelâneas da sociedade.

Enxergamos portanto uma noção perene nessa escola de pensamento, vemos que ela guarda muitos resquícios e noções integrais daquilo que os mestres do ascetismo pensavam no passado. Em sua origem na história do pensamento, o racionalismo foi formulado por Platão, onde o mundo das ideias era o único lugar onde a verdade se apresentava, tudo mais no mundo físico seria falso. Uma noção um tanto radical, mas quando comparada as noções principais do ascetismo extremo, ao exemplo dos Cátaros, vemos um mesmo tom. Uma mesma linguagem comum a casta sacerdotal da Grécia Antiga; indícios de como as ideias primordiais sobreviveram sob a égide de concepções várias ao longo da história.

“A ascese não significa que você não deve ter nada, mas que nada deve ter você.”

-Ali Ibne Abi Talibe

 

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