Filosofia Ocidental: Empirismo

Como a teia da filosofia se expande ao longo do tempo, tal acontece que algumas linearidades apareçam nessa extensa cadeia, quando falamos de filosofia ocidental estamos comumente nos referindo a um cânone acadêmico, onde foram selecionados autores específicos baseando-se na visibilidade que tal autor teve em sua obra e em sua vida; não é surpresa que poucos conheçam a filosofia de Anthony Ludovici, enquanto muito se fala, escreve e cita sobre Michel Foucault. Isso não se trata de uma filosofia mais robusta, ou, muito menos, de uma superioridade do segundo em relação ao primeiro, mas de uma ótica pautada em uma série de preceitos e agendas (comumente políticas), em que as visões do segundo cooptam muito mais o establishment acadêmico que as visões do primeiro, até por ser considerado um dissidente tanto no aspecto filosófico quanto político. Desse modo, no cânone filosófico devemos recrutar poucos movimentos que realmente foram de impacto, e não apenas de contravenções políticas, é ai que fazendo par com o racionalismo surge o empirismo. Como já tratamos do primeiro, cabe aqui falar sobre o segundo.

O empirismo se consolidou como corrente filosófica na Inglaterra mais ou menos no período mercantilista do século XVI ou XVII através dos trabalhos de figuras como Francis Bacon e Thomas Hobbes, porém foi apenas com John Locke e outros ilustres colaboradores anglo-saxões que a corrente filosófica do empirismo se consolidou de fato. Locke propunha uma visão da realidade diferente da de seus predecessores no sentido mais ontológico que epistemológico propriamente dito, para ele o ser humano seria como uma tigela ou uma tábula rasa (para fazer jus a expressão mais ligada a ele), desse modo, ele propõe que o ser humano nascia vazio por dentro, e ia se completando ao longo de sua vida através de suas experiências, formando seus gostos, ideias, visões, crenças, superstições etc.; uma ideia da qual figuras controversas como Jean-Paul Sartre viriam a beber no futuro nas formulações de suas próprias ideias existencialistas.

Com essa proposição, Locke entrava em contradição não apenas com toda a tradição filosófica de ontologia anterior ao seu tempo, como também propõe um novo paradigma, de modo que agora com essa proposição significaria dizer que todos podem aprender tudo que fosse necessário, sendo que não haveriam diferenças significativas de távola para távola, seria imperativo que a educação estivesse ao acesso de todos por exemplo, ou que todos tivessem condições iguais ou equilibradas; é importante mencionar que Locke fazia parte de uma corrente chamada contratualismo, e como os demais contratualistas, Locke formulava ideias sociais que necessitavam de um embasamento filosófico mesmo que arbitrário, e para justificar suas crenças liberais ele formulou essas ideias baseadas também no jusnaturalismo e nas primeiras noções de liberdade baseadas no individualismo, em suma, sua contribuição foi um protótipo do que viriam a ser os ideais libertários, secularistas e individualistas que permearam a mente dos filósofos posteriores, especialmente os ingleses, durante muitos anos até os dias de hoje.

Tão grave quanto as contribuições de Locke talvez sejam as contribuições de um certo ensaísta e historiador escocês chamado David Hume; vindo de um mesmo universo intelectual em que florescia a revolução científica, teve um interesse profundo pelas obras científicas e filosóficas de sua época, especificamente no caso da filosofia de John Locke e George Berkeley. Tal como Isaac Newton, Hume propôs em sua obra ontológica investigar a natureza humana com uma perspectiva de aplicação do método científico, pois maravilhado como era com a ciência em sua época, queria que houvesse uma estruturação técnica e racional para tudo, inclusive a natureza humana em todas as suas dimensões, nas faculdades mentais, emocionais e morais; naturalmente não obteve muito sucesso, mas conseguiu escrever diversos calhamaços onde buscava de modo quase acessório fazer elucubrações para validar suas ideias recheadas de um ateísmo e secularismo latentes.

Portanto, todo o cenário intelectual da Inglaterra do período parecia estar circundado com essas bases epistemológicas supracitadas, de um modo que todo o pensamento, fosse de cunho especulativo ou assertivo, devia conter um teor magistral ou doses muito bem administradas de secularismo, progressismo, ateísmo ou qualquer sorte de ideias subversivas, mas vistas também ao mesmo tempo como revolucionarias no sentido de favorecer uma evolução no seio da sociedade, coisas que apenas uma elite cheia de intelectualismos burgueses poderia imaginar, e como Adam Smith com suas bases teóricas do capitalismo futuro não deixam mentir, esse era propriamente o cenário inglês da época; é certo mencionar que não houveram empiristas apenas na Inglaterra, mas em todos os demais países já civilizados do mundo, porém, o empirismo está para a Inglaterra como o Racionalismo está para a França e o Idealismo para a Alemanha.

Em verdade, foi George Berkeley quem salvou a alma inglesa nesse período. Sendo um bispo irlandês com fortes inclinações e interesse grandioso na filosofia e no pensamento em geral, Berkeley foi encaixado posteriormente na pequena escola de idealismo irlandês, porém suas obras foram muito aproveitadas em círculos empiristas como mencionado em Hume acima, tal como foi responsável por diversas ideias que foram mais tarde bebidas pelas ciências como cheias de fundamento, mesmo sem haver como ele mesmo ter experimentado, também nunca deixou de lado os trabalhos metafísicos tal como trabalhos teológicos, que até devido a sua profissão, eram do seu maior interesse; é valido mencionar que sua vida foi um exemplo de como a ciência e o método da observação racional não são um ethos ou modo de se entender a realidade, mas tão somente descrevê-la.

Dentre suas ideias mais fundamentais está a da imaterialidade ou idealismo subjetivo, que diz respeito a sua abordagem direta com relação a percepção e o método empírico de se perceber o mundo, para Berkeley a experiência sensorial não era a experiência das coisas em si, mas apenas de sua ideia, ou de uma parte delas que eram a parte experimentável naquele momento; o que pode parecer um mero relativismo é em verdade a explicação empírica mais próxima da correta, pois o modo como se experimenta a realidade só pode ser dito à partir dos sentidos individuas, desse modo, no exemplo de uma pessoa surda que não consegue escutar algo, não quer dizer que se ela não escuta a coisa, tal coisa não é real, mas sim que sua percepção daquela realidade depende necessariamente dos sentidos imediatos da audição, e portanto, a única forma de se experimentar a realidade é pelos sentidos.

Sendo um proponente do ato de “conhecer ideias”, Berkeley fez sua carreira na filosofia através de alguns tratados, com parte dessas ideias derramando-se sobre escritos teológicos, onde ele via Deus enquanto causa imediata de todas as experiências humanas. Tal como em sua filosofia imaterialista, Berkeley tem em sua concepção a noção de vontade, em que dependendo da própria vontade do indivíduo é possível com que certas coisas aconteçam, a isso ele determina o livre-arbítrio, porém aplicando uma noção daquilo o que podemos ler na obra de Tolkien posteriormente como a natureza da sub-criação; em Berkeley a vontade tem papel criador, e não apenas passível de ação em situação; por exemplo, quando acordamos e abrimos os olhos não temos ideia de como nem quando o faremos, porém é algo que naturalmente acontece independentemente da nossa vontade, de modo que uma outra vontade superior esteja atuando para aquela situação ser criada, do mesmo modo, tudo o que acontece em nosso dia, nada ou muito pouco pode ser chamado de intencional, circunstâncias criadas pela nossa própria vontade, à isso Berkeley chama de vontade divina, identificando assim Deus.

Berkeley foi considerado devido aos seus escritos teológicos como expoente até mesmo das escolas de idealismo místico, porém, todas essas denominações se tornam muito confusas com o tempo, pois se compararmos os primórdios das influências de Berkeley em Hume, com sua acepção em meios de misticismo, teremos então ideias muito conflitantes, e todos aqueles que denominam Berkeley como o empirista ou como o místico estão todos enganados; cada filósofo tem sua expressão única, mesmo que suas ideias sofram influências muito marcadas, o certo é que ele era um bispo anglicano irlandês, e isto basta. Em suma, a compreensão da materialidade das coisas na filosofia é um traço brutal de um processo de empobrecimento do quórum de ideias necessários para se formar bases sólidas no próprio pensamento; é certo que muitos avanços tecnológicos vieram dessas ideias ao longo dos séculos posteriores, porém, a base transcendental e unitária da natureza humana nunca pode ser contrariada, não importando o quão aparentemente avançado e analítico um filósofo possa parecer, ainda é ele dotado de alma.

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