No estudo das tradições podemos muitas vezes acabar nos esbarrando em termos e nomes que são de total desconhecimento quanto aos seus significados, geralmente palavras em outros idiomas, mas às vezes no nosso próprio. Para tanto é preciso se ter noção de algumas palavras mais corriqueiras, porém nesse caminho de estudos do mundo Tradicional, talvez nada seja mais importante que a distinção dos meios Exotéricos e Esotéricos. Como a proposição gramatical indica, ambas as palavras são pronunciadas do mesmo modo, por isso é importante dar ênfase no ‘x‘ quando se estiver falando vocalmente sobre esse tema para evitar confusões que possam se derivar desse fato, assim como é importante notar desde já que apesar dos ‘ismos’ presentes nessas palavras, elas nada tem a ver com ideologias, mas devem ser encaradas antes de mais nada como princípios e caminhos dentro das tradições.
É propositivo mencionar uma distinção primaria bem evidente, como apontam os metafísicos perenialistas René Guénon e Frithjof Schuon em seus trabalhos: A dimensão exotérica é uma via da ação, e logo diz respeito a questões éticas do exterior; enquanto a dimensão esotérica está intrinsecamente ligada à via da contemplação, e naturalmente as questões internas e ascéticas propriamente ditas. Desse modo, dentro de todas as grandes tradições, compreendendo tradições no sentido de serem aquelas que estão ligadas a tradição primordial, será sempre visível esta distinção de vias e princípios com o qual determinada tradição será abordada. Ambos os caminhos não são excludentes, muito menos conflituosos, mas indicam apenas uma situação hierárquica, onde na esfera exotérica está a maioria dos adeptos, que é limitada por diversas contingências apenas as questões da ética e costumes religiosos; enquanto na esfera esotérica estão aqueles indivíduos ligados as questões transcendentes e ascéticas.
Quando falamos do mundo tradicional hoje, convenciona-se usar o termo religião, pois em sua etimologia temos muito precisamente o que essas diversas tradições, apresentadas no mundo moderno como religiões, tentam fazer com o homem; religião vem do latim religare, isto é, ligar de volta, religar [à algo]; logo, as religiões são o caminho que se apresentam na modernidade, dependendo de fatores condicionais externos, para apresentar uma mesma verdade interna, com uma mesma unidade transcendente, para dizer ao modo de Schuon. Isso não quer dizer que são todas a “mesma coisa”, pelo contrário, todas apresentam um corpo externo muito diferente e se estruturam cada uma por sua vez também de modos diferentes, sendo aproximadas pelo seu agrupamento maior.
Nesses agrupamentos maiores as religiões podem ser divididas basicamente em duas categorias, como sendo pertencentes ao Dharma (podendo ser oriental como Hinduísmo, Budismo e Zoroastrismo; e ocidental como Paganismos diversos) e como sendo Abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islã). Costuma-se utilizar também as categorias politeístas e monoteístas respectivamente para as denominações anteriores, porém isso já está em desuso, pois como se sabe mesmo as religiões do Dharma admitem uma Suprema Personalidade, como vemos no hinduísmo a figura de Kṛṣṇa como Avatāra de Viṣṇu, e mesmo quando não há Divindade Suprema propriamente dita, como no budismo, podemos ver uma fonte absoluta fazendo um papel relativo à divindade suprema, como é o caso do Arūpaloka, ou Reino Sem Forma.
Desse modo, colocados os postulados principais, podemos compreender que essas tradições vão se apresentar para muitos e para poucos, e através muitas vezes de apenas uma escritura sagrada, elas irão se apresentar de modo exotérico e esotérico, nesse sentido, pode-se compreender que o esoterismo seria como “ler nas entrelinhas” dos textos sagrados, porém sem tirar nada sem fundamento, algo estritamente necessário nesse processo de compreensão das tradições é entender que todas as interpretações sérias podem ser justificadas, não se trata nem de puritanismo, tampouco de pietismo, mas de conjeturas metafísicas, teológicas e ascéticas sérias e muito bem embasadas em princípios primos já previamente estabelecidos. Como exemplo no Budismo, onde há as três principais correntes: Theravada, Mahayana e Vajrayana; sendo que através de todas pode se atingir o mesmo objetivo, porém com os upāya, ou meios hábeis, pode-se atingir essa mesma finalidade mais rapidamente pelo Mahayana e Vajrayana, por isso consideram-se esses como sendo caminhos esotéricos.
As nuances entre exoterismo e esoterismo são claras, porém ficam ermas quando se está muito inserido dentro de uma tradição, pois diferentemente da visão do tradicionalista, há a visão do homem tradicional propriamente dito. O tradicionalista é aquele que estuda as tradições através do olhar do moderno, enquanto o homem tradicional vê e experiência a própria tradição como ela é, sem fazer análises, conjeturas ou comparações comuns ao homem moderno. Desse modo, a apresentação das tradições de modo exotérico e esotérico ficam mais complexas, porém ainda sim são observáveis ao modo como se apresentam; como exemplificado acima com o Budismo, o mesmo é possível de ser visto nas doutrinas do Hinduísmo, onde os Upaniṣad, que são os textos sagrados das tradições védicas, contém tanto as mensagens éticas quanto ascéticas, o que determina a interpretação e uso dessa mensagem de um jeito ou de outro é o movimento ao qual o praticante pertence.
Dentre as doutrinas hindus temos a Trimúrti (análoga a trindade ocidental) e os respectivos movimentos de seguidores de cada uma das suas entidades. Temos o vaishnavismo, que são a maioria dos seguidores do Vedānta, e devotos de Kṛṣṇa enquanto Avatāra de Viṣṇu, que é a divindade central da trindade; há também o shaktismo, que busca orientações nos caminhos espirituais mais determinados por ritos matriarcais; e o shivaismo, que é o culto ao deus Śiva, uma mescla dos vedas com algumas tradições não-arianas do período de formação da Índia Védica, sendo essa uma das religiões mais antigas do mundo. Em suma, todos esses movimentos derivam ainda outros movimentos e todas essas escolas tendem a ter um paramparā, que é a sucessão discipular ligada à fonte primária, por exemplo para os vaishnavas, a origem da tradição remonta de Arjuna, que recebeu o Bhagavad Gītā diretamente de Lorde Kṛṣṇa, até mais recentemente com A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada que trouxe da Índia para o ocidente a mais autêntica tradição védica preservada.
Nesse interim é importante mencionar que as escolas védicas estão muito mais próximas à tradição primordial, por isso é muito mais difícil situar as dimensões exotéricas e esotéricas desses movimentos, todavia, internamente aqueles que estão inseridos nessas tradições, através de noções hierárquicas, distinguem muito bem o que nós modernos rotulamos com esses termos. Como também deve estar claro nesse ponto, as categorias que dão título a esse texto são de origem ocidental, e são portanto algo que os ocidentais tem mais bem definido que os orientais, como a maioria dos exemplos usados aqui até então foram tradições do ramo oriental do Dharma, é notório que eles não abarcaram completamente essas práticas por uma simples limitação semântica, porém não significa que seus descritores não possam ser de fato visualizados também nessas tradições do leste longínquo.
Utilizamos então de modo mais amplo essas categorias para as nossas tradições ocidentais, como o Hermetismo, Gnosticismo e Armanismo; sendo importante já notar aqui, que as tradições ocidentais, tal como as orientais apesar dessas serem em uma menor proporção, sofreram impactos estruturais que nós consideramos uma degeneração dessas tradições, e por consequência um abalamento de suas práticas e eficiência, então, tratar de esoterismo quando se tenta dialogar com a história do pensamento ocidental é perda de tempo, pois essa só admite um materialismo e um cientificismo bruto e bronco em todos os sentidos, sendo que diferentemente do oriente, nosso ethos social ocidental passou a ser determinado por forças estranhas ao espírito do homem, e hoje as tradições e escolas mais arcaicas que podemos ter por aqui estão deturpadas e danificadas em sua grande maioria.
Logo, um olhar esotérico para as grandes tradições do ocidente só pode ser feito com uma base de apoio nas tradições mais próximas a tradição primordial, sendo essas as tradições orientais especialmente as ligadas ao Vedānta. Foi essa a grande sacada da escola perenialista, que ao fazer a distinção das diversas tradições e escolas, e antes mesmo de colocar os postulados exotéricos e esotéricos, determinou a philosophia perennis como axioma mestre das leituras e interpretações tradicionais, pois apesar das diferenças materiais marcadas nas diversas tradições, devemos sempre analisar o fim último dessas tradições, em sua unidade transcendente, em sua proximidade à tradição primordial. E evidentemente, o melhor jeito de o fazer é embarcar em uma das grandes tradições, e adotar suas práticas com a finalidade última da experiência com o divino.

