Princípios Tradicionais: Analogia

Naquilo que se entende por manifestação, é latente a presença de uma condição de ordem superior que coordena o funcionamento dessa realidade de modo a reger a natureza fundamental de cada forma material. Tal é a analogia, um princípio que atua de modo macrocósmico e microcósmico através de uma unidade integral da natureza do ser e do mundo a qual se identifica na experiência como símbolo; essa ressonância de características é compreendida por todas as Tradições, e opera no mundo atual com a mesma força perene com a qual atua no mundo tradicional. Portanto, cabe aqui tratarmos dessa natureza de correspondências comuns à manifestação de modo a aprofundar a ideia fundamental de como o cosmos se ordena nessa perspectiva, mas não somente, apresentar como as unidades materiais particulares da existência são influenciadas na condição de suas próprias formas e funções por essa correspondência transcendental.

A analogia opera de modo integral na manifestação, o que quer dizer que esse princípio está presente em cada partícula do universo, pois como a matéria atende a uma categoria específica de ‘entidades condicionadas’ é natural que todo e qualquer princípio metafísico esteja presente de modo latente na concepção da existência da própria forma das coisas. Assim sendo, o primeiro ponto de fricção desse princípio encontra-se nas relações macrocósmicas, onde todos os acontecimentos na estrutura quantitativa superior, isto é, aquilo que se encontra em um tamanho de proporções cósmicas, tem uma recorrência derivativa extra superior, em suma, metafísica. Tal recorrência de operações macrocósmicas encontra ressonância nos corpos e estruturas em ordem quantitativa inferior, isto é, o que se encontra nos tamanhos de proporção experiencial aos seres, o microcosmo. Tais definições podem parecer enfadonhas em um primeiro momento, mas este é especificamente o tipo de relação existente entre macro e microcosmos; o primeiro são os eventos de ordem superior que ocorrem na ordem superior da manifestação, e são os causadores dos eventos inferiores dentro dessa mesma ordem de manifestação, assim sendo temos uma estruturação cosmológica hierárquica, onde a analogia impera, fazendo com que o que ocorra no nível da experiência humana seja reflexo direto do que ocorre em escala universal.

É desse modo que o símbolo e o simbolismo se apresentam para nós, como derivados de uma origem não-humana (em suma, Divina) os símbolos trazem verdades transcendentes e universais, é a linguagem metafísica em seu auge, e que encontram uma mesma obediência ao princípio de analogia. Um símbolo é, em última análise, a materialização do princípio analógico, sendo em todas as dimensões da existência uma forma indissociável de sua plena natureza Divina. É nesse fio que seguem as ciências sagradas, como exemplo a Tradição Hermética, a qual se convencionou chamar no ocidente toda forma de esoterismo operativo, onde a alquimia e a astrologia são formas de interação analógica constante com o nível superior tanto da realidade manifestada quanto da não-manifesta. Clarificando essa questão escreve Guénon: “Portanto, astrologia, alquimia e mesmo a ciência das letras (ʿIlm al-Ḥurūf) fazem nada além de traduzir as mesmas verdades em linguagem apropriada para diferentes ordens da realidade, unidas entre si pela lei da analogia universal, as fundações de todas as correspondências simbólicas; e, em virtude desta mesma analogia, estas ciências, por uma transposição apropriada, encontram sua aplicação no reino “microcósmico” tal como no “macrocósmico”, pois o processo iniciático reproduz em todas as suas fases o processo cosmológico em si.” (Aperçus sur l’ésotérisme islamique et le Taoïsme, 1973).

Há diversas formas em que um símbolo pode se apresentar, o simbolismo tradicional não é um tipo específico, mas um sujeito específico, ele não é uma forma, mas uma substância, ele se manifesta nas formas. Desse modo, o simbolismo tem aspectos que são transcendentes e imanentes, ou seja, ele está nesse mundo e para além, algo bem peculiar de sua origem Divina. O símbolo pode aparecer em diferentes formas sobre diferentes aspectos, todo o símbolo tradicional aparece nas histórias míticas de cada Tradição, podendo se manifestar como um objeto, uma estrutura arquitetônica, uma forma cosmológica, uma condição, um espaço, uma configuração, podendo ser manifestado tanto de modo visual quanto auditivo; em suma, as formas de manifestação adotadas pelo símbolo são condizentes com suas qualidades ulteriores, estabelecendo essa relação analogicamente. Como exemplo temos o simbolismo do centro, que remete ao balanço e equilíbrio de toda a manifestação e não-manifestação baseado na Divindade, tal símbolo pode aparecer transposto em formas artísticas, como as mandalas budistas. O símbolo em si obedece a um rigor matemático, pois é em suas concepções estruturais mais íntimas do modo em que ele se da na manifestação que se torna possível quantificá-lo, e se pode ser quantificado obedece a princípios matemáticos, sendo assim, o simbolismo é a forma mais elevada de elaboração matemática.

É pertinente ressaltarmos aqui a gênese do símbolo, pois apresentando a origem dessa forma transcendental superior conseguimos entender um pouco melhor o princípio de analogia. Todo o símbolo opera por correspondência, logo, é por uma série de ordenações de eventos materiais que ocorrem no mundo manifestado que podemos obter o vislumbre do Divino. É imprescindível que para que esses eventos estabeleçam uma conexão com uma realidade superior, que eles sejam dirigidos por um elemento não humano, isto é, não importa quantas forças humanas se mobilizem na intenção de estabelecer essa conexão superior, se não houver uma orientação estritamente Divina de nada terá valor além de movimentação de matéria bruta. Como exemplo de modificação da realidade material em base da ordenação de eventos físicos temos o Mahābhārata (महाभारतम्), onde é descrita a guerra nos campos de Kurukshetra em que Krishna, o Avatāra (अवतार) de Vishnu, guia Arjuna para a vitória, estabelecendo assim um elo analógico entre aqueles eventos e as correspondências simbólicas, fundamentando tal episódio como componente tradicional e participe na Verdade Transcendente, onde cada aspecto como as próprias cores portadas simbolicamente nos nomes dos personagens do evento simbolizam etapas na realização sublime do Divino, na realização de Satcitananda (सच्चिदानंद). Como escreve Guénon: “É sabido que no seu sentido mais elevado a cor preta simboliza essencialmente o estado primário de não-manifestação, e é nesse sentido que se deve compreender, por exemplo, o nome de Krishna, como oposto ao de Arjuna (que significa ‘branco’ [e Krishna ‘preto’]) – Ambos representando respectivamente o não-manifesto e o manifesto, o imortal e o mortal, o Self e o self, Paramātmā e Jīvātmā.” (Symboles de la Science Sacrée, 1962).

Em síntese, é na relação de correspondência que podemos encontrar os efeitos imediatos de formação do símbolo. Todo o simbolismo é uma linguagem para a Verdade Absoluta, tal linguagem é estabelecida pelas relações macrocosmo-microcosmo, onde o princípio de analogia impera como ordenador máximo da realidade manifesta em todas as suas operações; sem esse princípio o mundo da mobilidade, isto é, do não-ser estaria fadado a sucumbir, pois se tornaria um amalgama de massa física inoperante, sem ordem, forma ou significado.

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