Princípios Matemáticos Transcendentais

Quando tratando de metafísica, devemos levar em consideração uma série de princípios que, ao serem quantificados e catalogados, podem estar incorrendo em mais de uma forma de nomenclatura disponível; isto é, faz-se necessário falar de princípios apenas quando são de ordem superior, transcendente, e nunca quando são incorrências de algum princípio particular. Me refiro nesse caso a matemática. Enquanto sistema quantificador e área de estudo moderno a matemática tem sua origem, naturalmente, no princípio metafísico de manifestação, onde inerentemente tudo o que pode ser quantificado faz-se presente nesse nível, sendo que a matemática surge na modernidade como forma de poder, em última análise, medir a realidade material ao nosso redor. Invariavelmente, existem princípios metafísicos operando dentro da matemática, pois é natural que seja assim, já que existe um trato de sistemas muito exclusivos do modo que a matemática o faz, dentro de seu próprio modo comum de operação, e tal é o que acontece com dois fatores matemáticos primordiais: o número e o cálculo.

Número & Cálculo

Existem diversas áreas dentro da matemática que estudam esses temas com exclusividade. Dentro do mundo da matemática existem duas divisões básicas tidas como plenas: a matemática pura e a matemática aplicada; a segunda é toda e possível aplicação dos princípios matemáticos com a finalidade de construir algum tipo de quantificação para a corporificação dessa quantificação (naturalmente essa definição é feita em cima de uma análise metafísica). A primeira por sua vez, e tema com o qual estaremos lidando aqui, é todo o estudo de conceitos matemáticos independentemente de sua aplicação na realidade; neste ramo temos talvez as mentes mais brilhantes da matemática, e é importante frisar, toda a aplicação matemática surge de um conceito primeiramente gestado na matemática pura. É deste ramo pois a missão de abordar temas praticamente intangíveis que não pela abstração da mente humana.

Se tratando do número, é uma área de estudo da matemática pura que busca em primeira instância estudar os números inteiros e funções aritméticas, que tem como característica prima a possibilidade de serem contados em uma ordem infinita. Números ainda podem ser diferenciados de numerais e de quantidades, valores e podem também ser qualitativos. Há um longo debate quanto ao que é o número em si, se é o numeral que o representa, ou um valor intrínseco do numeral, ou uma qualidade imperceptível nas operações, enfim, há uma forma incalculável de se considerar o número. O que é relevante para nós aqui é o conceito de Infinito, que deriva diretamente dos princípios metafísicos, porém que na matemática não representa legitimidade, pois o conceito mais próximo do número em si é o conceito de indefinido.

Infinito é tudo aquilo que não tem limites, sendo o contrário definido como Finito. A Infinitude pressupõe ausência de limite, e como somos informados pela própria definição do cálculo exposta por DeBaggis & Miller: “Cálculo… é a convergência de sequências infinitas e séries infinitas para um limite bem definido; ou seja, não é possível se falar em infinitude, estando o próprio cálculo galgado em um limite conhecido. Essa é, pois, a definição de indefinido, porém os matemáticos pareceram se esquecer disso. Isaac Newton e Gottfried Leibniz são os conhecidos fundadores do Cálculo Infinitesimal; o primeiro enxergava no cálculo a descrição científica da geração de movimento e de magnitudes, enquanto Leibniz via o cálculo como uma explicação metafísica das mudanças, sejam de causas ou contingências das coisas. Newton era um notório alquimista, então sua visão é impregnada pela Naturphilosophie (Filosofia da Natureza) de Paracelsus; enquanto Leibniz era um reconhecido metafísico, sua definição fica como precedida por sua fama.

Tendo em vista a conotação de um pelo outro, Infinito e Indefinido, temos aí o primeiro sinal dos princípios metafísicos, em que pode se notar uma inabilidade dos matemáticos modernos em buscar a verdadeira natureza desses princípios. O célebre matemático indiano Srinivasa Ramanujan teve contribuições impressionantes no ramo das Séries Infinitas, e é lembrado em seu obituário por seu colega e colaborador G. H. Hardy como “o maior matemático de seu tempo”. Ramanujan dizia receber seu conhecimento matemático diretamente do Divino, e sempre lembrava o significado transcendental das equações, com uma habilidade praticamente não-humana, podia ver Deus para muito além dos números e cálculos. Nos relata Hardy: “Ramanujan tinha visões religiosas definidas. Ele tinha uma veneração especial pela deusa de Namakkal [nesse contexto, Lakshmi]… Ele acreditava na existência de um Ser Supremo e na conquista da Divindade pelo homem… Ele estabeleceu convicções sobre o problema da vida e após…” (Ramanujan: Twelve Lectures on Subjects Suggested by His Life and Work, 1940).

Simbolismo Matemático

Assim sendo, temos uma quantidade suficiente de exemplos preliminares para lançar a tese fundamental: os princípios matemáticos para muito além da própria matemática são, em última análise, aplicações dos princípios metafísicos ao mundo material. Dessa forma, não existe mérito ou discussão concernente a qualidade das “descobertas” matemáticas, pois em verdade, não há descobertas; toda a matemática vigente são desdobramentos quantitativos dos princípios matemáticos postulados no passado por figuras como Pitágoras e Platão, e demais célebres matemáticos do mundo antigo. A matemática surge em um primeiro momento com valores qualitativos, onde um número não é desprovido de caráter metafísico, e consequentemente possui elementos transcendentais inerentes, como acontece no caso do Tetractys (τετρακτύς), da Gematria (גמטריא) e do Abjad (أبجد); existem valores incalculáveis presentes nos números e letras dos alfabetos, e ambos se mesclam no processo hermenêutico numerológico, hoje extremamente ridicularizado tanto por doutos acadêmicos quanto por estudantes insipientes.

Assim sendo, a natureza fundamental dos princípios matemáticos permite com que compreendamos melhor a matéria física e o mundo a nossa volta; porém apenas se nos galgarmos em princípios metafísicos muito bem estabelecidos. Podemos ter noção disso ao se observar a aplicação da matemática pura, onde não raramente chega-se a níveis de informação fenomenais em termos quantitativos, porém sem valor algum por estarem desprovidos de sentido. Esse é o dilema em que a matemática costuma ceder seus domínios para a filosofia; todavia, esta sendo inconstante como é, comete o mesmo erro que a matemática, porém ao invés da especulação numérica, caímos em uma especulação teorética, que desprovida de signos, pode se tornar ainda mais confusa. Por essa razão é muito comum observarmos que no passado grande parte dos filósofos também eram matemáticos, pois em um passado mais distante (a antiguidade clássica) os filósofos, além de matemáticos eram metafísicos, pois obedeciam os Princípios antes de tudo. Infelizmente com o tempo esses termos se tornaram mistos e/ou dissociados, Leibniz, por exemplo, apesar de matemático não o é no sentido Tradicional de Pitágoras; tal como Descartes não é filósofo no sentido Tradicional de Platão.

Ainda devo considerar o sentido Tradicional da matemática, ou o mais próximo possível disso. A matemática no mundo Tradicional ocupa um papel diferenciado, e em verdade oposto ao papel que ocupa hoje em dia; encontramos nos símbolos o correspondente da Tradição para o equivalente a matemática moderna, porém não carregada de sentidos quantitativos, o símbolo matemático no mundo Tradicional traduz uma Verdade Divina para a linguagem simbólica, podendo assim ser apreendida pelos sentidos humanos. Foi à partir desse tipo de simbolismo que os primeiros signos matemáticos usados na modernidade se formaram, sendo que cada cultura passou a adotar simbologias diferenciadas correspondentes, até a recente notação matemática de Leonhard Euler. Nesse sentido do símbolo matemático, Guénon nos informa: “Além disso, deve ser dito que mais que qualquer outra ‘ciência’, a matemática fornece assim um simbolismo particularmente adequado para a expressão de verdades metafísicas, na medida em que estas são exprimíveis”. (Les Principes du Calcul Infinitésimal, 1946).

Muito se discute ainda quanto as competências dos matemáticos, não é incomum hoje em dia encontrarmos graduados em matemática no ensino superior que tem extrema dificuldade com temas filosóficos; e menos incomum ainda o contrário, onde graduados em filosofia possuem uma incompreensão de nível fenomenal com os temas matemáticos. Isso tudo nada mais é do que a prova cabal de que a extração dos princípios afeta diretamente a qualidade do material, hoje tanto a matemática quanto a filosofia estão nus, despossuídos de suas caraterísticas fundamentais pois foi extraído de ambas tudo aquilo que é metafísico, transcendente, qualitativo. Em verdade quando olhamos para os rumos das áreas de conhecimento modernas temos um cenário trágico, pois tal como a matemática hoje calcula ‘infinitamente’ na geração de uma ‘multitude inumerável’, parafraseando Guénon; e a filosofia especula desenfreadamente, todas as demais áreas do conhecimento tem suas quantificações infindáveis, pela mera e simples razão de estarem despidas de Princípios.

Ao longo da história da matemática temos gênios insondáveis, figuras de calibre esmagador em matéria de intelectualidade como os já mencionados no texto: Isaac Newton, Gottfried Leibniz, Srinivasa Ramanujan, Godfrey Hardy, Leonhard Euler e o próprio René Guénon. Tal é o tipo de questionamento que surge, qual a diferença dessas pessoas para as pessoas tidas como normais? O que é um matemático em nível ontológico? Possivelmente a resposta para essa questão nem mesmo um matemático possa dar, pois ele mesmo não sabe, porém é notório que esses são indivíduos “construídos diferentemente”; é como se tivessem acesso a uma nova camada da cognição humana, algo que está lá, e pode-se fazer qualquer um ver, mas nem todos conseguem, de fato, enxergar.

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